Estava navegando pelo Facebook e deparei com uma postagem que dizia mais ou menos o seguinte:
"Não force uma criança a abraçar ou beijar se ela não quiser", assim na lata, como se diz, sem qualquer explicação que justificasse esse ato, que, num primeiro momento, me pareceu ser um incentivo à má educação.
Logo, me vi quase que obrigada a colocar a minha opinião, e coloquei: "Estranhos eu concordo... familiares? E a educação"?
Resposta da "pessoa que colocou o post:" "Cumprimenta sem precisar abraçar, beijar ou apertar, ou ainda sentar no colo. E se for familiar com certeza o caçador irá querer abraçar e/ou beijar".
Outra pessoa responde ao post: "Se a criança rejeita é pq tem algo errado. Fulana só beija quem ela quer".
À medida que outras respostas ficavam fundamentadas percebi do que essas pessoas estavam falando, era na verdade de abuso sexual por parte de familiares e as suas opiniões traduziam o como lidavam com a situação e é sobre isso que vou falar hoje.
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Já atendi vários pacientes com problemas e vários traumas ligados a abusos sexuais.
Segundo a Procuradoria Geral da Justiça: "trata-se de uma situação em que uma criança ou adolescente é invadido em sua sexualidade e usado para gratificação sexual de um adulto ou mesmo de um adolescente mais velho. Pode incluir desde carícias, manipulação dos genitais, mama ou ânus, voyeurismo, exibicionismo ou até o ato sexual com ou sem penetração. Muitas vezes o agressor pode ser um membro da própria família ou pessoa com quem a criança convive, ou ainda alguém que frequenta o círculo familiar. O abuso sexual deturpa as relações socioafetivas e culturais entre adultos e crianças ou adolescentes ao transformá-las em relações genitalizadas, erotizadas, comerciais, violentas e criminosas".
É de fato uma situação grave que deixa marcas muito significativas e dolorosas nas vítimas envolvidas. O mais marcante e que deixa em parafuso a cabeça das pessoas, é quando isso ocorre dentro do núcleo família, quando provém daqueles que teoricamente estão ali para dar proteção e segurança e não o fazem. Normalmente esses atos estão associados ao uso de álcool por parte dos abusadores, mas nem sempre.
Vou citar um exemplo de consultório:
"Uma paciente, na época com 7 anos, ia com a mãe visitar o avô materno que gostava de tomar uns 'traguinhos' aos domingos. Chegando lá a mãe ficava envolvida com a avó da menina e a tia que moravam junto, e a menina era chamada para ficar com o avô na sala. Dos 7 aos 12 anos a menina se sujeitou a sentar no colo do avô que tocava nos genitais da menina e nos seios e pedia para ela não contar para a sua mãe, pois ele não iria dar mais dinheiro para ajudar nas despesas da casa delas. Ela me contou sobre isso com 27 anos, com dificuldade de ter envolvimentos com rapazes e com dificuldades sexuais, pois sentia-se suja e culpada do que tinha acontecido na época. Já com 12 anos e o avô mais velho, ela ia cumprimentar o avô e quando ele pedia para ela sentar no colo dele ela dizia que estava com vontade de ir ao banheiro e lá chegando fugia pela janela, indo brincar na casa da vizinha. Nessa época, a mãe já não precisava do dinheiro do avô, pois trabalhava em 2 empregos. Questionada por mim do porque nunca contou para a sua mãe, disse que ela nunca iria acreditar nela".
Outro caso tratou-se de paciente que começou a ser molestada pelo padrasto. Diferente da anterior, essa falou para a mãe que, descompensada deu uma surra na menina com 13 anos, dizendo que ela tinha era ciúmes dela porque ela tinha arrumado um namorado. Que ela era egoísta e que queria atenção só para ela. Resultado de um ano de assédio do padrasto, uma gravidez indesejada.
Poderia ficar aqui contando muitos e muitos fatos ocorridos por negligência, inexperiência, ignorância e despreparo.
É algo inimaginável acreditar que pessoas em quem confiamos possam ser tão baixas, sujas, atrozes, desprovidas de ética e coração.
Foto: Pixaby
Como devemos lidar com os nossos filhos para que não sejam mal educados e desafetivos quando se relacionem com nossos parentes e como podemos poupá-los de passar por situações semelhantes às que eu já citei, entre outras, que tem haver com a valorização e respeito ao nosso corpo?
Um aspecto que considero de suma importância está relacionado ao esclarecimento desde cedo quanto à importância que devemos dar ao nosso corpo e a privacidade e o respeito a ele.
Esse é um assunto que se aprende em casa, em conversa com mãe e pai, faz parte da educação familiar. São daquelas conversas que desde cedo temos que ter com nossos filhos e repeti-las de quando em vez. Na fase exibicionista mais ou menos aos 2 anos de idade, podemos começar a inserir a ideia e o hábito de privacidade e respeito. Às vezes, quando a criança quer andar de calcinha ou mesmo pelada podemos usar o exemplo: tu não vê a mamãe pelada lá na vizinha... vamos por o short para ir lá... e a criança começa aos poucos fazer as associações e a observar os modelos que vê ao seu redor.
Por falar em modelos, não devemos esquecer que somos os seus modelos de tudo, por isso temos que cuidar o que falamos e o que fazemos. Assim vamos semeando uma semente que irá germinar com ensinamentos úteis.
É bastante comum nas escolas, meninos e meninas terem curiosidades sobre seus corpos e quererem satisfazer essa curiosidade vendo e até manipulando o corpo do colega. É de extrema importância que as crianças sejam orientadas que o corpo é algo privado e que não é qualquer pessoa que pode ter acesso a ele.
Na escola e em outras situações, quando um colega ou uma pessoa quiser ver as partes intimas, devemos orientar a criança que ela não permita, saia correndo e conte para a professora e para seus pais. Os únicos que podem efetivamente fazer isso são seus pais ou pessoas autorizadas por eles, apenas. É importante frisar que não deve ser dito pela criança e que ela adote uma postura ativa de sair correndo preferencialmente. Isso, em se tratando de criança na faixa dos 4 anos em diante, mais ou menos.
Quando em visitas aos parentes e conhecidos, os pais e substitutos devem ficar sempre de olho nas crianças, não perdê-las de vista. Sempre fiscalizando onde estão e com quem, não importando o vinculo de parentesco. Ficar atento aos sinais de evitação e repulsa aos lugares e pessoas são motivos de conversas e fiscalização, tudo sem atitudes precipitadas.
Se você tiver um bom diálogo com teu filho, for seu amigo, educá-lo, cuidar dele, tiver interesse pelas suas coisas, observá-lo, fazer parte do seu dia a dia, duvido muito que ele não te conte esse tipo de coisa. Cumplicidade é uma semente plantada desde cedo e que cresce e se fortalece a vida toda, tornando o nosso filho na vida adulta o nosso melhor amigo e vice versa.
Depende muito de nós. Eu acredito. Eu pratiquei e pratico. Vale a pena.